Sobre o Mapa

O Mapa Aborto Legal é uma iniciativa da ARTIGO 19 de monitorar, centralizar e compartilhar informações públicas sobre aborto legal – e direitos sexuais e reprodutivos. O site surge para suprir uma lacuna de informação identificada em nosso relatório “Breve Panorama sobre Aborto Legal e Transparência no Brasil”, lançado em Dezembro de 2018: a ausência de informações acessíveis sobre saúde sexual e reprodutiva nos portais públicos de saúde.

Assim, o Mapa se propõe a fornecer informações fidedignas, úteis, de qualidade e de fácil acesso a quem precisar delas. A plataforma surge principalmente para publicizar quais são os hospitais que oferecem atendimento às mulheres que desejam e precisam fazer aborto legal, bem como para derrubar mitos como a necessidade de se apresentar Boletim de Ocorrência para a realização do procedimento em caso de estupro.

Dessa forma, damos um passo adiante à efetivação do direito das mulheres à saúde sexual e reprodutiva, além de oferecer informações que aprimorem a participação social nos fóruns de decisão sobre esses direitos. Ademais, o mapa também será um importante repositório de informações para pesquisadoras e jornalistas e interessadas no tema.

ARTIGO 19

A ARTIGO 19 é uma organização não-governamental de direitos humanos nascida em 1987, em Londres, com a missão de defender e promover o direito à liberdade de expressão e de acesso à informação. A ARTIGO 19 trabalha para que todos e todas, em qualquer lugar, possam se expressar de forma livre, acessar informação e desfrutar de liberdade de imprensa.

Metodologia

A presente pesquisa tem como finalidade a coleta de dados sobre a cobertura dos serviços de aborto legal no Brasil e a atualização do site Mapa Aborto Legal pela ARTIGO 19. O site, lançado em 2019, tem como objetivo ajudar a difundir uma informação que deveria ser pública, mas devido à força da agenda anti-direitos no país, é praticamente inexistente: onde, quando e como uma pessoa pode acessar serviços de interrupção da gestação nos casos previstos em lei – estupro, risco de vida à pessoa e anencefalia fetal.

Pesquisas anteriores, como o Breve Panorama sobre Aborto Legal e Transparência no Brasil e o relatório Acesso à Informação e Aborto Legal no Brasil: mapeando desafios nos serviços de saúde, já revelvam o cenário desinformativo sobre os direitos sexuais e reprodutivos no Brasil. O diagnóstico final é de que existem duas camadas de desinformação, que combinam a ausência de informações confiáveis e a circulação intencional de informações falsas sobre o assunto – especialmente sobre abortamento legal. Uma primeira camada atingiria a própria população, desinformada quanto às situações em que o procedimento é legalizado no Brasil e como e onde acessá-lo. Uma segunda camada, atinge justamente profissionais que atuam com acolhimento em equipamentos de saúde, cuja falta de treinamento impede o respeito correto à legislação vigente e às boas práticas em saúde sexual e reprodutiva.

A ausência de informações confiáveis sobre esses direitos foi retomada no relatório 10 anos da Lei de Acesso à Informação: de onde viemos e para onde vamos, publicado em maio deste ano. Focada em uma análise em transparência ativa, o relatório mostra como o governo federal é um importante vetor de desinformação (devido à abordagem moral e pessoal utilizada na condução de políticas públicas voltadas às pessoas com capacidade de gestar), e também atesta que nenhum órgão, seja ele estadual ou municipal, nas capitais do Brasil, divulgam dados relevantes sobre saúde sexual e reprodutiva. Em última instância, as três pesquisas aqui mencionadas ajudam a delinear um cenário de ativa desinformação e violação de direitos para populações já historicamente vulnerabilizadas.

Para o presente levantamento, repetiu-se quase que integralmente a metodologia empregada nos anos de 2019 e 2020. Foi utilizada uma lista inicial de equipamentos de saúde a serem interpelados tanto por uma pessoa identificada como PESQUISADORA, que se apresentou como alguém que trabalha diretamente para a ARTIGO 19 em busca das informações solicitadas, quanto por uma pessoa identificada como USUÁRIA, que não se identificou institucionalmente, apenas como uma pessoa em busca de abortamento em decorrência de uma violência sexual.

1. Quantos foram os equipamentos interpelados?
A primeira grande mudança empregada em 2022 foi a atualização completa da lista inicial de hospitais, maternidades e clínicas públicas interpeladas. A forma de obtenção foi a mesma da primeira versão do Mapa (2019) com a adição de hospitais a partir de uma parceria com a Rede Médica pelo Direito de Decidir. O passo a passo para criação da lista foi a seguinte:

A) Lista CNES: Primeiramente, foram considerados os equipamentos de saúde presentes no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) como realizadores de abortamento – mais especificamente, o Serviço Especializado referenciado seria o de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, enquanto a Classificação seria a de Atenção à Interrupção da Gravidez nos Casos Previstos em Lei. Em Agosto de 2022, existiam 115 hospitais na lista, que pode ser encontrada aqui.

B) Lista LAI: Em paralelo, encaminhamos via pedido de acesso à informação ao Ministério da Saúde, uma lista dos hospitais que teriam realizado aborto entre 2018 e 2022. Após o recebimento dessa lista, selecionamos aqueles cuja referência do procedimento se encaixava no CID O04 (aborto por razões médicas e legais) e CID O04.9 (aborto por razões médicas e legais. completo ou não especificado e sem complicações). Além da aplicação de filtro por CID, também foram selecionados aqueles equipamentos que realizaram no mínimo 2 abortos em 2021 e no mínimo um aborto em 2022. Desse processo, foram somados 43 hospitais.

C) Lista Rede Médica: A partir de um contato próximo com a Rede Médica pelo Direito de Decidir, conseguimos contatar 34 hospitais por meio de um formulário e confirmar que, a princípio, todos os hospitais realizam aborto, no mínimo, em caso de gestação decorrente de estupro. Para que eles pudessem ser incorporados ao Mapa, foram adicionados à lista para que passassem pelo menos escrutínio dos demais.

As listas A), B) e C) foram, então, combinadas. Excluindo-se as repetições existentes, chegamos a uma lista final de 132 equipamentos de saúde – todos interpelados entre os dias 23 de agosto e 21 de setembro.

2. Como foram feitas as ligações?
A fim de se obter uma perspectiva centrada nas dificuldades da busca de informações sobre a realização de aborto previsto em lei no país, foi realizada uma dupla checagem via ligação telefônica e envio de e-mail para a coleta dos dados. Apesar de ser indicado que qualquer equipamento de saúde que possua instalações e recursos adequados à realização de procedimentos de natureza ginecológica e obstétrica devam realizar aborto nos casos previstos em lei, é comum que muitas pessoas, especial crianças e pessoas negras, ainda sofram com negativas arbitrárias ao acesso.

Por esta razão, infelizmente, não podemos tomar as referências do Ministério da Saúde como certeza. Dessa forma, a dupla checagem cria uma nova camada de escrutínio, ao testar o atendimento da rede pública de saúde de um ponto de vista institucional (por meio da PESQUISADORA) e de um ponto de vista da cidadania (por meio da USUÁRIA). Isso faz com que os dados sejam ainda mais qualificados, evitando, na medida do possível, situações de revitimização e objeção de consciência “institucional”.

Ambas, PESQUISADORA e USUÁRIA buscam, via ligação telefônica, os mesmos dados (explicados na seção posterior), mas cada uma desempenha condutas diferentes. A PESQUISADORA pode buscar as informações via ligação telefônica, idealmente, mas também via e-mail, ainda que haja uma demora significativa nas respostas. Essa possibilidade passou a ser adotada, uma vez que um número razoável (39 hospitais) com os quais foi possível falar solicitaram o encaminhamento da demanda por escrito. Já a USUÁRIA coleta as informações somente pelo telefone, emulando a busca verdadeira por acolhimento e realização do procedimento, além das demais informações.

Além disso, no contato telefônico, a PESQUISADORA buscou falar com a Direção dos equipamentos de saúde ou com representantes do corpo médico – médicas, enfermeiras, assistentes sociais, psicólogas. Essa busca foi ativa, e possivelmente foi a razão para as poucas respostas conseguidas.

Em paralelo, a USUÁRIA realizou o contato diretamente na recepção do hospital na busca do serviço. A partir daí, pode ter sido encaminhada para outras partes do hospital, mas não houve uma busca ativa por representantes específicos das instituições.

A conduta geral foi a de tentar o máximo de vezes possível ligar para um hospital – principalmente para aqueles com quem foi possível contatar, no mínimo, a recepção. Ainda, as ligações foram feitas e reiteradas por três vezes, em dias e horários diferentes, para evitar dias desproporcionalmente corridos ou indisponibilidade das equipes.

3. Quais informações foram coletadas?
As informações coletadas, tanto pela PESQUISADORA (fosse por telefone ou e-mail), quanto pela USUÁRIA, são:

  1. Se o hospital realiza aborto legal (perguntando as razões de uma eventual negativa)
  2. Em que ocasiões o procedimento é realizado
  3. Qual é Idade gestacional máxima para a realização do procedimento
  4. Como se faz para agendar o procedimento
  5. Em quais dias de semana é possível fazer o procedimento
  6. Quais documentos são necessários para a realização do procedimento
  7. Se é obrigatório levar acompanhante
  8. Por qual setor é necessário dar entrada para o acolhimento
  9. Se há equipe especializada para acolhimento em casos de aborto previsto em lei

Infelizmente, devido às mais diversas dificuldades, não foi possível coletar todas as respostas em todas as ligações realizadas. Ademais, em alguns casos, há contradições entre as respostas obtidas pela USUÁRIA e pela PESQUISADORA. Para os fins observados nesta pesquisa (o de coletar a informação mais próxima do atendimento possível), nos casos de contradição, a resposta à USUÁRIA foi considerada como a final.